“DEPOIS DISSO… PORTANTO… POR CAUSA DISSO”

Muitos doentes, quando confrontados com uma doença, perguntam “Porquê?” “Porquê agora?” Ou ainda com mais angústia… “Porquê eu?” Apesar destas questões serem muito difíceis ou mesmo impossíveis de responder, quem pergunta poderá ter criado a sua própria teoria de causalidade muitas vezes baseada numa sequência temporal. Quando alguma coisa especialmente má… ou boa acontece queremos saber porquê. Temos sempre a sensação de que qualquer coisa que aconteceu primeiro deverá ser a causa do que aconteceu depois, mau ou bom.

Muitas vezes parece completamente claro que um facto específico causou um segundo evento, o que pode parecer lógico, mas não é muitas vezes nada mais do que uma aparência de verdade. A mente humana tem a tendência para tentar encontrar, em tudo, relacionamentos e padrões que podem nem sempre existir e confunde muitas vezes correlação e causalidade. Muitas vezes isto acontece quando duas variáveis por estarem fortemente associadas parecem depender uma da outra sugerindo uma relação de causa/efeito.

Correlação e causalidade
Correlação é diferente de causalidade; correlação não implica causalidade embora os dois conceitos possam coexistir.
correlação quando dois ou mais eventos tendem a ocorrer mais ou menos ao mesmo tempo, podem estar associados, mas não têm necessariamente uma relação de causa/efeito. Há causalidade quando existe relação de causa/efeito.
Torna-se um problema quando a mente cria uma relação de causa/efeito que não existe na realidade, assumindo que um primeiro evento deve ter ocasionado um evento posterior. Muitas vezes podemos ter razão, mas às vezes estamos a considerar uma causa incorrecta. Qual é a importância para os médicos destas questões de causa/efeito? Quando os médicos fazem diagnósticos partem inevitavelmente de raciocínios baseados em questões de causa/efeito.
Para tratarem os doentes adequadamente, os médicos precisam, de compreender a origem das doenças e dos mecanismos que as provocaram, ou seja a causalidade. Acontece que às vezes os médicos não conseguem encontrar a causa, o que não é nunca nada satisfatório nem para o médico nem para o doente.

Estabelecendo uma causa
O conceito de azar ou sorte é totalmente alheio ao trabalho médico, sendo a busca de uma causa sempre motivada pela tentativa de controlar a situação. Quer os médicos quer os doentes querem saber porquê, precisam de saber a causa para poderem tratar, curar, prevenir ou erradicar a doença.
Médicos e doentes têm que ser uma equipa e ainda mais se as causas são complexas e os resultados incertos, já que estabelecer uma causa segura e definida pode ser muito difícil porque correlação não implica causalidade. Eventos ou estatísticas que acontece coincidirem podem não estar necessariamente relacionadas porque a causa e o efeito podem não ser directamente relacionados e existir um terceiro factor. E até pode ser unicamente coincidência. Assumir causalidade é falso quando apenas existe evidência de correlação. Procurar uma causa é assunto muito sério porque assumir uma causa errada pode causar muitos danos. Distinguir correlação de causalidade depende da qualidade da evidência e da robustez da associação. Anos atrás, um estudo médico feito na Hungria com 221 homens que tinham telefones móveis concluiu que os que traziam os telefones na algibeira da frente das calças e não no casaco ou numa pasta, tinham uma contagem de esperma 30% menor do que a média da população masculina medida anteriormente ainda em 1970.
Houve um alarido imediato com entrada de acções em tribunal contra as companhias dos telefones por causarem esterilidade nos homens e houve quem exigisse que se pusessem etiquetas nos aparelhos alertando para esse facto. O problema foi o facto de o estudo ter encontrado correlações e não causalidade.
Constatou-se que os homens que trazem os telefones nas calças são fumadores e trazem o pacote dos cigarros preferencialmente no casaco para não se amachucar, e assim os telefones vão para a algibeira das calças… Há muito que se sabe que os fumadores têm uma contagem de esperma mais reduzida, por isso temos que concluir que é esse o motivo e não a posição do telemóvel. Também, na generalidade, a contagem de esperma dos homens pode ter diminuído local ou globalmente possivelmente devido ao aumento dos níveis de poluição química em todo o mundo. Os crocodilos machos da Flórida também têm apresentado contagem de esperma inferior ao que era habitual, mas ninguém pensa que isso seja causado por usarem telemóvel!

Porquê? Porquê eu? Porquê agora?
Para os doentes estas são perguntas muito importantes e os médicos têm o dever de os ajudar a encontrar as respostas, as mais correctas possível. Mesmo que possam não ser as esperadas ou desejadas. O mínimo que podemos fazer é pensar duas vezes e questionar que outras causas poderão existir para além das que parecem óbvias.
Costuma dizer-se que nem sempre o que parece é.

Com votos de boa saúde,

Dr.ª Maria Alice Pestana Serrano e Silva
Especialista de Medicina Geral e Familiar
Administradora / Directora Clínica Luzdoc Serviço Médico Internacional / Medilagos

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