Agora que temos uma guerra na Europa…

Agora que temos uma guerra na Europa…

Podemos esquecer o Covid19?

Uma guerra na Europa, no Século 21, parece um pesadelo impossível de ser realidade! Mas é real, inacreditavelmente, terrivelmente, assustadoramente real.

Será que voltámos para trás no tempo, para os tempos negros quando os homens se matavam uns aos outros por um pedaço de terra, por um castelo, pela sensação de poder, de posse, por arrogância e por vaidade?

Nos tempos modernos, do chamado desenvolvimento e evolução tecnológica, quando o Homem aterra e explora Marte, não parece possível que um país invada outro país, com todo o horror e destruição de uma guerra, sem respeito por nada nem ninguém, nem pela vida humana, com luta nas ruas e bombardeamentos! Como nos velhos tempos…

A História mostra-nos que a guerra, para além de matar pessoas saudáveis, abre sempre o caminho para o alastrar das doenças.

Durante a Primeira Grande Guerra, uma gripe epidémica que surgiu numa base militar, espalhou-se pelo mundo e é referido que matou mais soldados do que os que morreram no campo de batalha.

Nas Guerras Napoleónicas, as doenças infecciosas foram responsáveis por muitas mais mortes nos soldados do que as feridas resultantes dos combates. As doenças infecciosas foram a causa principal de morbilidade e mortalidade, não só entre os soldados como também nas populações civis envolvidas.

Por isso, durante os conflitos armados as doenças infectocontagiosas costumavam ser chamadas “a terceira força de combate”.

Com a realidade actual do Covid19 podemos perguntar se iremos voltar a ter um surto infeccioso como a causa mais provável de morbilidade e mortalidade, quer para militares quer para civis.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada em tempos de pandemia, para lá da violência armada, acarreta consigo uma assustadora lista de ameaças à saúde pública.

Embora se verifique um declínio de casos, o vírus ainda se transmite de forma muito considerável e, à data de 15 de Fevereiro deste ano, menos de 35% da população ucraniana tinha sido vacinada, deixando um grande número vulnerável a terem sintomatologia severa. No meio de uma zona de guerra o acesso a tratamento será, no mínimo, mais difícil.

Um conflito na região corresponde a um risco severo de que surja uma grave crise de saúde pública.

A transmissão será mais fácil em espaços confinados, tais como caves e bunkers, onde a população se protege do conflito e também quando se refugiam noutros países. Em condições de guerra as máscaras, o distanciamento e a higiene das mãos, não são prioridade.

Os Hospitais, com condições difíceis a todos os níveis, vão ter muitos casos de trauma e haverá uma maior exposição às doenças na generalidade, Covid e não só.

Todas as doenças serão mais difíceis de controlar, especialmente as doenças infecto-contagiosas. Para além de tudo isto a Ucrânia tem estado a combater um surto de Poliomielite desde o passado mês de Outubro. A situação de crise actual aumenta o risco de que o problema possa aumentar, quer a nível nacional quer internacional.

Temos que ter bem presente que o factor mais relevante em todo este contexto é o facto de que a Ucrânia está no Continente Europeu!

Desde a Segunda Grande Guerra que neste continente não aconteceu qualquer evento com perturbação grave da ordem, no que diz respeito à população civil, em que tenha havido destruição e perda de vidas.

Não há dúvida que que a extensão e natureza de um conflito armado na Ucrânia terá um efeito negativo nos sistemas de saúde comprometendo a vigilância e a resposta adequada. Sendo assim, o resultado será um aumento das doenças infecciosas habitualmente possíveis de prevenir/controlar e também do Covid, sobretudo no surgimento de futuras variantes. Com a guerra, é muito provável que o número de variantes tenda a aumentar.

Invadir um país durante a pandemia de Covid-19, especialmente um país que tem estado esforçadamente a lutar contra o Covid-19 e a Poliomielite, não é certamente o que de melhor se pode fazer pelo mundo, no momento actual.

O SARS-Cov-2 e todo um cortejo de outras doenças podem ser os verdadeiros vencedores, como resultado da louca invasão em grande escala que a Rússia decidiu fazer.

Durante a pandemia os peritos em saúde pública têm sempre reforçado a ideia de que “estamos todos juntos” na resolução do problema.

Mas a decisão de atacar a Ucrânia é o exemplo de um homem que se põe a si próprio em primeiro lugar, à frente dos interesses de todo o mundo, incluindo do seu próprio país.

O caos que está a acontecer como consequência dessa decisão pode arrastar a pandemia para situações que ninguém deseja. A invasão não irá certamente ajudar a melhorar o programa de vacinação na Ucrânia e será certamente mais importante para a população evitar ser atingido pela guerra do que ser vacinado!

E repito, o que poderá acontecer na Ucrânia com as doenças, prioritariamente as infecciosas, não irá ficar só no país, irá espalhar-se sobretudo na Europa porque as pessoas estão a fugir da guerra para onde seja possível e lhes dê segurança.

Sabemos bem como o Covid-19 pode sobrecarregar e desequilibrar os sistemas de saúde pública e não custa imaginar o que será que pode acontecer se, para além disso, os hospitais se virem “inundados” não só com os feridos de guerra como também com todas as outras doenças infecciosas. Não esquecer que a devastação física dos hospitais e do seu pessoal, a falta de medicamentos, a destruição dos sistemas sanitários, a falta de água e de comida resultará em problemas de saúde pública muito difíceis, com consequências impossíveis de prever.

A invasão da Ucrânia por Putin é sem dúvida o momento de maior perigo para a Europa desde a Segunda Grande Guerra.

É a iniquidade, a iniquidade para além dos limites da razão.

Dr.ª Maria Alice Pestana Serrano e Silva

Especialista de Medicina Geral e Familiar

Administradora / Directora Clínica Luzdoc Serviço Médico Internacional / Medilago

Direcção Clínica Grupo HPA Saúde / Hospital S. Gonçalo de Lagos

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